CRÔNICAS

Na repartição

Centro do Rio, quinta-feira 09:45 da manhã, verão de um calor escaldante, Rubens Almeida olhava para o relógio de 3 em 3 minutos, ‘‘que tortura” pensava ele. O ponteiro passava tão devagar quanto uma lesma preguiçosa, de repente uma montanha de papéis é despejada na sua mesa:

—Quero esses relatórios prontos ainda hoje. — gritava Geraldo, o chefe

O suor escorria de sua testa, Rubens já não sabia se era pelo calor ou pela raiva, a camisa de linho abotoada parecia um forno ligado no máximo, a essa altura ele só pensava que mal tinha feito a Deus para ser punido daquele jeito. Há 15 anos como servidor público ele já era um homem de meia idade, sedentário até dizer chega, a cada resolução de ano novo prometia que iria ser fitnnes, planejava comprar o tênis de corrida, promessa essa que morria no terceiro dia de janeiro, estava careca de destrinchar os temidos relatórios, mas do pavor que tinha do chefe ele não se acostumava.
Geraldo, um sujeito arrogante e baixinho com um rei na barriga, distribuía trabalhos e berros a todos da repartição, na estrada há mais tempo que Rubens, pelo menos 16 anos a mais, não tinha lá muita paciência pra esperar, e coitado de quem estivesse na sua frente em um ataque de mau humor.
De vez em quando passava pela sala a dona Malu, mulher bonita que trabalhava na mesma repartição, e Rubens esquecia um pouco o relógio e dava uma espiada em dona Malu, disfarçadamente claro, a aliança apertada em seu dedo logo o denunciava.

—Como vai Seu Rubens? — pergunta ela de forma corriqueira.

—Muito bem Dona Malu, e a senhora?

—Vou bem, obrigada.

Uma ida na janela para refrescar um pouco, olhar o movimento, a essa altura achava que o relógio tinha parado, foi conferir as pilhas, tudo certo, o dia ia ser longo. Pausa para o café na salinha e colocar o assunto em dia com outros sofredores:

—Aí! Estão sabendo que Seu Geraldo pegou a mulher com outro? — indaga Zé Antônio

—Não brinca?! — Maurício incrédulo

—Por isso o achei mais estressado que nunca. — conclui Rubens

—Vai arrancar o nosso couro. — lamenta César

Assuntos como política e futebol não podem faltar, mas hoje a conversa não poderia demorar muito, devido ao óbvio estado de fúria do chefe, compreensível… Que semana! A essa altura Rubens queria quebrar o relógio. O telefone toca, era a digníssima senhora Almeida do outro lado da linha: — Não se esquece de passar no açougue e comprar carne moída para as panquecas. — Anotado. Marta era uma mulher que se gabava de seus dotes culinários, a pança de Rubens que o diga. A essa altura já nem olhava mais para o relógio.
Muitos relatórios e cafés depois, enfim o relógio marca 17:00 horas, ufa! O calor continuava, mas pelo menos estaria do lado de fora, sem ter que aturar os surtos de Geraldo, tinha pesadelos com aquele velho baixinho.

— Até amanhã Seu Rubens!

— Até amanhã Dona Malu.

Enquanto a porta do elevador se aproximava, uma voz estridente gritava da sala:

—Seu Rubens! Preciso falar com o senhor, alguns relatórios estão errados e disse que precisava deles para hoje. —Geraldo enfurecido.

—Como podem estar errados? Eu conferi. —Se defende Rubens. Talvez o calor e a pressão baixa tenham confundido o pobre homem. Agora ele tinha mais um problema, além de ter que passar mais horas com o chefe, Marta estava esperando a carne moída para as panquecas. É Rubens que mal você fez a Deus?

Continua…

Shirlei Pinheiro

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